opinião

A ideia de trabalhar o texto como unidade de sentido e tê-lo como parte significativa de uso diário incluso em um contextonão é nova, no entanto muitos profissionais ainda teimam em não trabalhar o texto sob a égide da visão dalógica da linguagem e apenas considerar o uso normativo da língua. Pensando nisso, decidi compartilhar ,este mês,  uma reportagem do site www.educarede.com.org. sobre:

Escrita e produção de texto que dismistifica todo esse processo. Boa leitura a todos!


Produzir textos: uma prática social
Escrita: um processo individual e dialógico
Gêneros do discurso e textos
Os procedimentos de escrita





O cartaz é uma forma de escrita
Foto: Acervo EducaRede

Todos sabemos que as atuais demandas sociais requerem cidadãos capazes de exercer plenamente a sua cidadania. Isso implica saber analisar criticamente as realidades sociais e organizar a ação para intervir nessa realidade. Ou seja, a sociedade atual precisa de cidadãos atuantes, que não se limitem a observar a realidade, mas que nela saibam agir, examinar os fatos, articular acontecimentos, prever suas possíveis conseqüências para a qualidade de vida das pessoas, da cidade, do país, do planeta.

No mundo da informação isso significa, por um lado, saber lidar com a informação, que tem várias naturezas — matemática, científica, filosófica, artística, religiosa, por exemplo —, e vem de várias fontes e por vários caminhos — mídia impressa, radiofônica e televisiva, meio acadêmico e Internet, entre outros. Lidar com a informação significa apropriar-se de:
 

  • formas
  • de obtenção da informação para conhecer o real;
  • procedimentos que permitam o reconhecimento da pertinência e idoneidade da informação;
  • recursos que possibilitem a divulgação da informação;

    Por outro lado, exercer plenamente a cidadania significa saber agir utilizando a informação. Em uma sociedade letrada, obter informações, analisá-las criticamente, saber divulgá-las e agir utilizando essas informações passa pelo domínio de um objeto social fundamental: a linguagem escrita.

    Quando se fala em domínio da linguagem escrita, fala-se em saber lidar de maneira proficiente com todos os conhecimentos com os quais se opera nas práticas de linguagem. Quer dizer, fala-se em ler e escrever utilizando os procedimentos e estratégias que conferem maior eficácia aos textos produzidos e às leituras realizadas.

    No texto “Sobre leitura e formação de leitores”, discutimos o que isso pode significar quando nos referimos à leitura. Agora, vamos priorizar o processo de produção de textos escritos.


    :: Produzir textos: uma prática social


    A linguagem do jornal é diferente
    daquela do cartaz

    Foto: Acervo ANDI

    Assim como a leitura, a produção de textos escritos é uma prática de linguagem e, como tal, uma prática social. Quer dizer: em várias circunstâncias da vida escrevemos textos para diferentes interlocutores, com distintas finalidades, organizados nos mais diversos gêneros, para circularem em espaços sociais vários.

    Por exemplo: ao lermos um jornal, se o tratamento recebido por determinado assunto em uma determinada matéria nos causar indignação — ou mesmo admiração — podemos escrever uma carta para o jornal manifestando nossa forma de pensar a respeito.

    Se quisermos divulgar um serviço que prestamos, podemos escrever um anúncio para uma revista, para um determinado site , para um jornal; ou podemos escrever um folheto de propaganda para ser distribuído na saída do metrô, ou, ainda, organizar um outdoor para veicular informação a respeito do serviço nos lugares que se espera que circulem potenciais interessados no serviço divulgado.

    Se pretendermos divulgar dados organizados de determinada pesquisa que realizamos, por exemplo, a respeito da evasão dos alunos, escrevemos um artigo acadêmico-científico, para ser publicado em uma revista de educação — ou um livro — que circule no espaço no qual essa discussão interesse.

    Se quisermos ter notícias de um ente querido que se encontra distante de nós geograficamente, podemos escrever uma carta, ou enviar uma mensagem por e-mail.

    Se desejarmos informar um possível contratante sobre nossa formação e experiência profissional para que ele possa avaliar se correspondemos às expectativas que a empresa tem para um provável funcionário, elaboramos um currículo.

    Como se pode ver, produzimos textos em diferentes circunstâncias. A cada circunstância correspondem:

    a) finalidades diferentes: manifestar nossa forma de pensar a respeito de determinada matéria lida; divulgar determinados serviços buscando seduzir possíveis clientes; convencer a respeito de determinadas interpretações de dados; obter notícias sobre um ente querido; informar sobre sua qualificação profissional;

    b) interlocutores diversos: leitores de um determinado veículo da mídia impressa (jornal, revista); transeuntes de determinados locais (vias de circulação, rodoviária etc.); colegas de trabalho, leitores de determinada revista acadêmico-científica ou de determinado tipo de livro; um parente próximo ou um amigo; um possível contratante;

    c) lugares de circulação determinados: mídia impressa; academia; família ou círculo de amizades; determinada empresa (esfera profissional); vias públicas de grande circulação de veículos e pessoas;

    d) gêneros discursivos específicos: carta de leitores; anúncio; folheto de propaganda; outdoor; artigo acadêmico-científico; carta pessoal; currículo.

    Quer dizer: escrever um texto é uma atividade que nunca é a mesma nas diferentes circunstâncias em que ocorre, porque cada escrita se caracteriza por diferentes condições que determinam a produção dos discursos. Essas condições referem-se aos elementos apresentados acima. Mas não apenas a eles. Um aspecto a ser considerado ainda é o lugar do qual se escreve.

    Todos desempenhamos diferentes papéis na vida: o de mãe/pai, de filho/filha, de irmão/irmã, de associado de determinado clube, de consumidor de determinado produto, de cidadão brasileiro, o relativo à profissão que exercemos (professores, médicos, dentistas, vereadores, escritores, revisores, feirantes, digitadores, diretores de escola etc), entre outros. Cada um desses papéis estabelece entre nós e aqueles com quem nos relacionamos determinados vínculos, que implicam responsabilidades assumidas, pontos de vista a partir dos quais os acontecimentos são analisados, recomendações são feitas, atitudes são tomadas...

    Ainda que esses papéis se articulem todo o tempo, uma vez que são todos constitutivos do sujeito e que, dessa forma, influenciam-se mutuamente, quando assumimos a palavra para dizer alguma coisa a alguém, um desses papéis predomina, em função das demais características do contexto de produção (sobretudo do lugar de circulação do discurso e do interlocutor presumido).

    Por exemplo: um cineasta, quando em uma conferência ou mesa-redonda, ao analisar determinado filme, certamente produzirá um discurso permeado por análises técnicas e históricas. Isso ocorrerá não só porque o discurso será uma conferência, que poderá ter como interlocutores estudantes ou outros cineastas, ou porque circulará na esfera acadêmica, tendo, portanto, que se adequar a essas condições, mas também porque o cineasta não poderá, nessas condições enumeradas, produzir o discurso a partir do lugar de pai, por exemplo, ou de amigo de determinado empresário do ramo, sob pena de não ser eficaz.

    Se estiver conversando com amigos em um encontro casual, ao contrário, o contexto de produção dado lhe permitirá assumir o lugar de espectador/apreciador da arte do cinema e seu discurso, certamente, não terá a mesma organização, nem a mesma escolha lexical, podendo ser mais descontraído, menos comprometido com argumentações coerentes com determinadas posições teóricas. E isto por causa de todas as condições de produção citadas, incluindo-se nestas o papel social de onde fala o produtor.
    Da mesma forma, se a uma pessoa for solicitado um discurso recomendando a redução do consumo de energia elétrica, este não será o mesmo, caso seja produzido a partir do lugar de deputado federal, de industrial do ramo da produção de lâmpadas, ou do lugar do pai que fala a seus filhos. Os argumentos serão diferentes porque, embora não apenas por este motivo, a relação entre os interlocutores instituiu compromissos diferenciados entre eles.

    Ser um escritor proficiente, portanto, significa saber lidar com todas as características do contexto de produção dos textos, de maneira a orientar a produção do seu discurso pelos parâmetros por elas estabelecido.

    Voltar


    :: Escrita: um processo individual e dialógico


    Anotação no caderno: forma
    de aprender
    Foto: Acervo Instituto Sou da Paz

    Assim como a leitura, o processo de escrita é tanto uma experiência individual e única, quanto interpessoal e dialógica. É individual e única porque o processo de produção de um texto implica escolhas pessoais quanto a o que dizer e a como dizer: a seleção de tópicos a serem apresentados, das palavras a serem utilizadas, dos enunciados a serem organizados são escolhas do produtor do texto, que refletirão seu estilo de dizer.

    Escrever é um processo interpessoal e dialógico porque todo texto sempre se relaciona, de alguma forma, com os textos já produzidos anteriormente no que se refere a:
  • o que se pode dizer por meio de determinados gêneros;
  • à forma de dizer (escolhas lexicais típicas do gênero, expressões usuais que acabam por caracterizá-los, por exemplo;
  • os textos produzidos e seu conteúdo, que podem marcar época, constituindo-se como referências;
  • os gêneros, propriamente, que também são construções históricas, e, dessa forma, modificam-se, caem em desuso, são criados.

    No século XVII, era comum quando se pretendia visitar um parente ou amigo — ainda que residente na mesma cidade — escrever-se uma carta e entregá-la em mão, com a finalidade de avisá-lo de sua visita. Hoje essa prática caiu em desuso — e com ela a situação de utilização do gênero — tendo sido substituída por um telefonema, por exemplo.

    As tecnologias digitais, por outro lado, acabam por criar novas possibilidades de interlocução escrita com pessoas distantes geograficamente umas das outras: por e-mail, enviando-se mensagens que ora se assemelham a bilhetes, ora a cartas, em tempo não-real, ou, ainda em chats, nos quais se pode conversar em tempo real com pessoas dos lugares mais longínquos do planeta. Criam-se, assim, se não novos gêneros, pelo menos modificações nos gêneros já existentes.

    Uma carta de amor, por exemplo, possuía fórmula de iniciação e de conclusão muito diferentes no século XVII e atualmente. Dificilmente uma jovem hoje receberia uma carta que começasse com a expressão Estimada senhorita (ou Caríssima senhorita), ou que terminasse com a expressão Com votos de consideração e estima.

    Na literatura, por exemplo, os poemas concretos passaram a existir a partir de determinada época, como resultado de necessidades estéticas historicamente construídas em um determinado período; por não corresponderem também às novas necessidades estéticas, gêneros como as cantigas de amigo, por exemplo, típicos da Idade Média, foram sendo preteridos pelos poetas e literatos.

    As crônicas esportivas também foram gêneros que se constituíram em épocas recentes e apenas em determinadas culturas, como a brasileira. Na Suécia, por exemplo, este não é um gênero presente.

    Há também textos que se referem a outros já escritos, chegando mesmo a conter citações explícitas.

    Se quiser ver um exemplo dessa inter-relação que existe entre os textos — denominada também de intertextualidade — clique aqui.

    Como é possível perceber, os textos que produzimos são resultantes das escolhas que fazemos quanto a o que dizer e como dizer em função das condições de produção colocadas. Essas escolhas não são aleatórias, mas determinadas historicamente. Quer dizer, em um dado momento histórico há um conjunto de possibilidades disponíveis e é no interior desse conjunto que as nossas escolhas pessoais são feitas.

    Parte dessas possibilidades relacionam-se aos gêneros do discurso.

    Voltar


    :: Gêneros do discurso e textos


    Redação: exercício de escrita
    Foto: Acervo EducaRede

    Os gêneros são formas de enunciados produzidas historicamente, que se encontram disponíveis na cultura, como notícia, reportagem, conto (literário, popular, maravilhoso, de fadas, de aventuras...), romance, anúncio, receita médica, receita culinária, tese, monografia, fábula, crônica, cordel, poema, repente, relatório, seminário, palestra, conferência, verbete, parlenda, adivinha, cantiga, anúncio, panfleto, sermão, entre outros.

    Qualquer manifestação verbal organiza-se, inevitavelmente, em algum gênero do discurso, de uma conversa de bar a uma tese de doutoramento, quer tenha sido produzida em linguagem oral ou linguagem escrita.

    Os gêneros podem ser identificados por três características fundamentais:
  • o tipo de tema que podem veicular;
  • a sua forma composicional;
  • as marcas lingüísticas que definem seu estilo.

    As diferentes manifestações verbais concretizam-se em textos — orais ou escritos — organizados nos gêneros. Estes se referem, portanto, a famílias de textos que possuem características comuns

    Não é qualquer gênero que serve para se dizer qualquer coisa, em qualquer situação comunicativa. Se imaginarmos que alguém pretende discutir uma questão complexa como a descriminalização das drogas, ou como a pena de morte como forma eficiente de combate à criminalidade, essa pessoa precisará organizar o seu discurso em um gênero como o artigo de opinião, por exemplo. Esse é o gênero que pressupõe a argumentação em favor de questões controversas, mediante a apresentação de argumentos que possam sustentar a posição que se defende e refutar aquelas que forem contrárias à defendida no texto.

    Se a finalidade, por outro lado, for relatar a um grande público um fato acontecido no dia anterior, o gênero escolhido pode ser a notícia. Se o que se pretende é orientar alguém para a realização de determinada tarefa, pode-se escrever um manual, ou relacionar instruções. Se se deseja apresentar algum ensinamento utilizando situações vividas por animais que representam determinadas características humanas, então a fábula é o gênero mais adequado.

    Portanto, saber selecionar o gênero para organizar o seu discurso implica conhecer suas características para avaliar sua adequação:
  • às finalidades colocadas para a situação comunicativa;
  • ao lugar de circulação;
  • a um contexto de produção determinado.

    Pode-se mesmo afirmar que o conhecimento que se tem sobre um gênero determina as possibilidades de eficácia do discurso.

    Dessa forma, a proficiência do aluno em Língua Portuguesa depende também do conhecimento que ele possa ter sobre os gêneros e sua adequação às diferentes situações comunicativas. Suas características, portanto, devem ser objeto de ensino, precisam ser tematizadas nas atividades de ensino.

    Voltar


    :: Os procedimentos de escrita

    Além desse conhecimento, escrever pressupõe o domínio de determinados procedimentos: saber planejar o que vai ser escrito em função das características do contexto de produção colocado, saber redigir o que foi planejado, saber revisar o que foi escrito — durante o processo mesmo de escrita e depois de finalizado —, e saber reescrever o texto produzido e revisado.

    Tais procedimentos precisam ser sempre articulados no processo de escrita, que é uma outra competência que também precisa ser constituída.

    Nesse processo, conhecimentos de várias naturezas entram em jogo:

    a) discursivos (relativos às características do discurso, como características do gênero no qual o texto será organizado, do contexto de produção especificado, por exemplo);

    b) pragmáticos (relativos às especificidades da situação de comunicação e às diferentes práticas sociais de escrita);

    c) textuais (relativos à linearidade do texto em si: relativos à sintaxe, pontuação, coesão e coerência);

    d) gramaticais;

    e) notacionais (relativos ao sistema de escrita).